Somente alguém inconsciente vai tentar usar ou manipular
os outros, mas a verdade é que somente as pessoas inconscientes podem
ser usadas e manipuladas. Se você reage ou se opõe ao com-portamento
inconsciente dos outros, também fica inconsciente.
Porém, a entrega não significa uma permissão para que
pessoas inconscientes usem você. De jeito nenhum. É possível dizer "não"
de modo firme e claro para alguém e, ao mesmo tempo, permanecer em um
estado de não-resistência interior.
AO DIZER "NÃO" a uma pessoa ou situação, você não deve
reagir, mas agir de acordo com um insight, uma firme convicção do que é
certo ou errado para você naquele momento.
Permita que isso seja um "não" sem reação, um "não" de
alta qualidade, um "não" livre de toda a negatividade e, desse modo, não
gere mais sofrimento.
Se você não consegue se entregar, aja imediatamente. Fale
ou faça alguma coisa para provocar uma mudança na situação, ou se afaste
dela. Seja responsável pela sua vida.
Não polua o seu lindo e radiante Ser interior, nem a
Terra, com negatividade. Não transmita infelicidade, nem deixe que ela
crie um lugar dentro de você.
SE VOCÊ NÃO puder tomar uma atitude - se você estiver na
prisão, por exemplo , então só lhe restam duas opções: resistir ou se
entregar. A escravidão ou a liberdade interior, do ponto de vista das
condições exteriores. O sofrimento ou a paz interior.
Seus relacionamentos vão mudar profundamente através da
entrega. Se você nunca consegue aceitar o que é, conseqüentemente não é
capaz de aceitar qualquer pessoa do jeito que ela é. Você está sempre
julgando, criticando, rotulando, rejeitando ou tentando mudar as
pessoas.
Além disso, se continuar a transformar o Agora em um meio
para atingir um fim no futuro, também vai considerar as pessoas com quem
se relaciona como um meio para atingir um objetivo. O relacionamento, o
ser humano, passa então a ter uma importância secundária para você, ou
mesmo nenhuma importância. O que vale é o que você consegue extrair do
relacionamento: um ganho material, uma sensação de poder, um prazer
físico ou alguma forma de gratificação do ego.
DeÍxe-me ilustrar como a entrega pode agir nos relacionamentos.
QUANDO SE ENVOLVER em uma discussão ou um conflito com um
sócio, ou um amigo, observe como você se coloca na defensiva quando a
sua própria posição é atacada, ou sinta a potência da sua própria
agressão ao atacar a posição da outra pessoa.
Observe o apego aos seus pontos de vista e opiniões. Sinta
a energia mental e emocional por trás da sua necessidade de ter razão e
de mostrar à outra pessoa que ela está errada. Essa é a energia da
mente egóica. Você a torna consciente ao reconhecê-la, ao senti-la o
mais completamente possível.
De repente, no meio de uma discussão, você descobre que
pode fazer uma escolha e resolve abdicar da sua própria reação, só para
ver o que acontece. Você se entrega.
Não quero dizer abrir mão da sua reação verbalmente
dizendo "está bem, você tem razão", com um ar no rosto que diz "estou
acima de toda essa inconsciência infantil". Isso é apenas deslocar a
resistência para um outro nível, com a mente ainda no comando,
considerando-se superior. Estou falando de abandonar todo o campo de
energia mental e emocional que estava disputando o poder dentro de você.
O ego é esperto, portanto você tem de estar alerta,
presente, e ser 100 por cento honesto consigo mesmo para verificar se
abandonou realmente sua identificação com uma posição mental e se
libertou, assim, da sua mente.
SE VOCÊ SE sentir leve, livre e profundamente em paz, é
sinal de que você se entregou completamente. Observe então o que
acontece à posição mental da outra pessoa, já que você não mais a
energiza ao oferecer uma resistência. Quando abrimos mão da
identificação com as nossas posições mentais, começa a verdadeira
comunicação.
Não-resistência não significa necessariamente não fazer
nada. Significa que qualquer "fazer" se torna não-reação. Lembre-se da
profunda sabedoria implícita na prática das artes marciais orientais:
não ofereça resistência à força opositora. Submeta-se para superá-la.
Tendo estabelecido isso, "não fazer nada" quando estamos
em um estado de intensa presença é um poderoso transformador e curador
de situações e de pessoas.
É radicalmente diferente da inatividade, no estado comum
da consciência, ou melhor, da inconsciência, que tem raízes no medo, na
indolência ou na indecisão. O verdadeiro "fazer nada" implica uma
não-resistência interior e um intenso estado de alerta.
Por outro lado, caso haja necessidade de ação, você não
vai mais reagir a partir da sua mente condicionada, mas vai responder a
uma situação com a sua presença consciente. Nesse estado, a mente é
livre de conceitos, incluindo o conceito da não-violência. Então, quem
pode prever o que você vai fazer?
O ego acredita que a nossa força reside em nossa
resistência, quando, na verdade, a resistência nos separa do Ser, o
único lugar de força verdadeira. A resistência é a fraqueza e o medo
disfarçados de força. O que o ego vê como fraqueza é o Ser em sua
pureza, inocência e poder. O que ele vê como força é fraqueza. Assim, o
ego existe num modo contínuo de resistência e desempenha papéis falsos
para encobrir a "fraqueza", que, na verdade, é o nosso poder.
Até que haja a entrega, a representação inconsciente de
deter-minados papéis se constitui em grande parte da interação humana.
Na entrega, não mais precisamos das defesas do ego e das falsas
máscaras. Passamos a ser muito simples, muito reais. "Isso é perigoso",
diz o ego. "Você vai se machucar. Vai ficar vulnerável."
O ego não sabe, é claro, que somente quando deixamos de
resistir, quando nos tornamos "vulneráveis", é que podemos descobrir a
nossa verdadeira e fundamental invulnerabilidade.
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